Subestimar a audácia e as ambições dos outros é um erro que todos nós cometemos. Eu e alguns colegas o fizemos em acontecimentos locais cinco anos atrás e até hoje pagamos o preço por isso. Já na política, isso pode ter efeitos ainda mais desastrosos. O momento atual é, com certeza, esse. O Partido dos Trabalhadores, num misto de ingenuidade e arrogância, acreditou realmente que poderia manter infinitamente o pacto de classes lulista (no qual os privilégios da elite não eram ameaçados e algumas migalhas chegavam aos mais pobres) e que, apenas por não ameaçar a tradicional ordem social e política brasileira, seria aceito no clube. Também acreditou que, justamente por ser parte do clube, poderia exercer as mesmas práticas dos outros partidos, sem entender que seria sempre um alvo privilegiado. Enfim, erros próprios que o Partido agora está a pagar, na carne.
Creio, contudo, que o partido e todos os observadores não podiam avaliar com clareza até onde a ambição pelo poder da oposição poderia chegar. Incomoda ver pessoas, como José Serra, que lutaram por ideais progressistas e que foram perseguidos pela ditadura agindo agora com total desenvoltura para remover a presidente Dilma, pouco se importando com o Estado de Direito. Dilma, com certeza, se revelou uma líder falha, mas o próprio julgamento dos deputados deixou evidente que o que está em jogo não é uma suposta falha na manipulação do orçamento, mas uma manobra política para retirar uma presidente eleita pelo povo e que não é acusada formalmente de nada.
Manobras políticas, judiciárias e de mídia foram, assim, utilizadas com total falta de escrúpulos e obteve-se o resultado desejado: provavelmente, Dilma irá para casa e Temer formará um novo governo, ligado aos grupos mais conservadores do país e que conduzirá a um retrocesso nunca visto na história recente brasileira. A economia, em geral, pode até melhorar e a crise política, talvez, terminará. Mas a agenda em curso – mesmo que boa parte seja só especulação – é indicativa do que vem por aí.
O mínimo que se esboça é uma flexibilização geral das leis trabalhistas, reforma da Previdência, desvinculação das verbas de saúde, educação e pesquisa (inclusive, para os Estados e municípios), privatização generalizada, revisão de temas polêmicos como o Estatuto do desarmamento, da família e outros. Também começam a surgir ideias de reprimir os movimentos sociais com as Forças Armadas e de impedir o livre debate nas escolas, na Universidade e na internet. Se tudo será ou não aplicado vai depender da resistência dos que serão atingidos, mas a agenda está presente.
Subestimar as ambições dos outros é realmente um problema. Eu acreditava que teríamos um segundo governo Dilma muito ruim (dado o esgotamento do modelo) e uma vitória esmagadora da oposição em 2018, com a implantação de uma estratégia para levar o Brasil para antes do PT, ou seja, 2002. Algo próximo com Macri e Kirchner na Argentina. Depois, percebi que nem esperar as eleições eles queriam e que a agenda ia além, para um retorno pré-Constituição de 1988.
A medida que os limites iam sendo rompidos e a onda conservadora se radicalizava, comecei a temer a volta ao pré-1985, ou seja, a ditadura. Não necessariamente militar, mas baseada na aliança judicial-midiática que claramente está a dar as cartas no Brasil. Agora, acredito que vamos ainda mais longe, para o pré-Getúlio Vargas, pré-1930, para um modelo obsoleto, mas potencialmente lucrativo para quem manda. Eliminar a herança varguista sempre foi um ponto de honra para, por exemplo, a UDN e o PSDB agora parece estar perto de conseguir sucesso.
O método para chegar a tanto recupera velhas temáticas (como a questão da corrupção e o discurso da crise), mas é inovador, refletindo as realidades do século XXI, no qual golpes militares não são mais comuns e é necessário preparar o terreno em termos culturais e midiáticos para, então, avançar no institucional. Aliás, na manipulação de uma crise real para criar um cenário de caos e avançar uma agenda antiga, o Brasil parece muito próximo à Espanha de Mariano Rajoy. O futuro que se avizinha, contudo, é de regressão. Feliz 1930 e bem vindos ao novo governo de Washington Luís!