2015 ou finalmente 2016? Reflexões sobre um ano que não termina. Parte 2
Como já indicado no texto anterior, a situação econômica do país só piorou no primeiro mandato de Dilma e isso, em boa medida, pelo esgotamento do modelo petista de crédito e consumo. Além disso, Dilma teve o azar de se defrontar com uma “tempestade perfeita” no cenário internacional. As matérias primas exportadas pelo Brasil tiveram uma queda inédita de preços e o do petróleo está em níveis tão baixos que todas as empresas petrolíferas do mundo estão em crise. A Petrobrás, responsável por uma parte substancial do PIB nacional, está tendo que enfrentar essa queda nos preços (que inviabiliza, inclusive, todos os imensos investimentos no Pré-Sal) e foi paralisada pelas investigações da Lava Jato. Com a maior empresa do país e as empreiteiras a ela associadas em compasso de espera, a economia sofreu um dano de monta.
É evidente que investigações como a Lava Jato são necessárias e que a exposição dos vínculos nefastos entre empreiteiras, empresas estatais e a política (que é algo de décadas) pode, se levar a uma mudança real, ser imensamente benéfica para a Petrobrás e para o Brasil. E todos os envolvidos, do partido que for, devem ser investigados e punidos segundo a lei. Não dá para negar, contudo, que a paralisia da Petrobrás e do sistema de licitações e obras públicas ajudou a levar a economia para a recessão.
Por fim, várias medidas de política econômica do governo Dilma no seu primeiro mandato ajudaram a complicar o cenário. Elas são atacadas pela mídia como irracionais ou absurdas, mas foram, em essência, na direção certa, como baratear a energia ou diminuir os juros. O grande problema é que foram iniciativas isoladas, circunstanciais e não dentro de um plano coerente e completo de mudança. Insistiu-se, além disso, nesse modelo de consumo e crédito que atingiu seu limite em termos de crescimento. Por fim, os maciços gastos em 2014, ano eleitoral, pioraram o cenário fiscal.
Dado esse cenário, era esperável uma mudança de rota. Era visível, em 2014, que cortes no orçamento público teriam que ser feitos, que ajustes nos preços (na energia elétrica, nos combustíveis, etc.) e no câmbio eram inevitáveis e que 2015 seria um ano difícil. O grande erro, no meu entendimento, de Dilma, foi ter optado pela política de austeridade fiscal como única política do governo.
Controle do déficit público é algo necessário e possível, mas dentro de um cenário de crescimento. Tanto isso é verdade que, nos anos de crescimento do governo Lula, a dívida federal, enquanto proporção do PIB, caiu. O grande erro foi ter deixado a situação fiscal sair de controle tanto por motivos eleitorais como por insistência num modelo de crescimento que já havia dado todos os seus frutos. E engano ainda maior foi tentar resolver o problema com a política de austeridade, a qual raramente funciona e, no caso de Dilma, teria ainda menos chance de funcionar.
A concepção, liberal, por trás da ideia de austeridade é que, se o Estado demonstrar que está disposto a tudo para controlar seus gastos e seu déficit, haverá confiança do empresariado e da população para voltar a investir e a consumir, fazendo a economia voltar a crescer. Uma ideia interessante, mas que, na prática, raramente funciona, porque o Estado não é uma família ou empresa. Ao aumentar impostos e cortar seus gastos, ele acaba por aprofundar a crise econômica, diminuindo a arrecadação e piorando a crise fiscal.
No caso de Dilma, essa aposta era ainda mais arriscada. Em primeiro lugar, porque o Congresso não apoiaria, até para vê-la sangrar, as medidas propostas, gerando ainda mais instabilidade. Em segundo, porque, apesar de tudo, ela não podia ou desejava aderir realmente à agenda liberal. Dessa forma, ela manteve, por todo o ano, uma agenda liberal, mas sem leva-la ao nível necessário para que a suposta restauração de confiança se desse. Pagou o preço dessa escolha, mas sem ganhar nada com isso, seja em apoio político, seja em melhora do cenário econômico. Além disso, por mais que ela fizesse ou faça, dado o seu histórico na esquerda e o clima polarizado do país, a confiança empresarial jamais retornaria a ponto de relançar a economia.
O que Dilma conseguiu, em essência, foi alienar todos os que haviam votado nela justamente para fugir dessas políticas. Se for para ter um “choque liberal”, Aécio Neves e Armínio Fraga são muito mais adequados. Dilma conseguiu alienar o seu eleitorado, perplexo, e não captou apoios do eleitorado de Aécio. E, para piorar, sua habilidade política, de vender a sua decisão como correta ou suportável, foi próxima do zero. Quando se tomam decisões impopulares, é a hora de se fazer mais política, negociar, apresentar a defesa da sua decisão, explicá-la e não fugir para o Palácio. O fato de Dilma não ser uma política profissional foi, nesse sentido, trágico.
A oposição, claro, se aproveitou dessa fragilidade. Desde as eleições, a oposição não reconheceu a derrota e partiu imediatamente para uma campanha para a derrubada do governo. A oposição existe para questionar quem está no comando, mas o PSDB e seus aliados partiram imediatamente para o embate, acreditando que o momento (eleição apertada, um Congresso mais a direita e no comando de um inimigo do Planalto, Eduardo Cunha) era propício ou para conquistar o poder que lhe havia sido negado pelas urnas ou para sangrar tanto o PT que, em 2018, a vitória seria fácil.
A crise econômica e as decisões de Dilma alimentaram, pois, a crise política, a qual ampliou a crise econômica. Um processo de autoalimentação que abalou o país e que chegou até a um pedido de impeachment sem justificativas jurídicas que o sustentem. Erros e problemas estruturais convergiram em um quadro conjuntural e em decisões erradas para levar o país à situação atual.
2016 será, nesse sentido, melhor. Se Dilma cair e Temer assumir, com apoio do PSDB, imediatamente os “mercados” ficarão mais tranquilos e a mídia passará a apresentar um cenário róseo dos fatos, estimulando investimentos e consumo. Se Dilma sobreviver ao impeachment, ela estará fortalecida e a “bala da agulha” da oposição já terá sido gasta, o que também colaborará para alguma estabilidade política e melhora econômica.
A reversão de rota da política econômica, indicada agora, também pode ser um fator positivo. Se o governo retornar simplesmente ao modelo “crédito = consumo”, é duvidoso que possa haver um retorno do crescimento, pois esse é um modelo esgotado. Mas, ao menos, não se terá mais a ilusão de fazer uma política liberal e de austeridade sem o real desejo de levá-la às últimas consequências. O ajuste cambial também foi feito e, quem sabe, se a sorte favorecer ao governo, os preços das matérias primas podem subir, melhorando o cenário geral na rabeira de uma melhora na economia mundial.
Na verdade, se Dilma não tivesse cometido os erros que cometeu em 2015, o ano seria provavelmente difícil, mas nem tanto. Agora, em 2016, ela tem a chance de reconquistar sua base política e social e de, talvez, dar alguma esperança na arena econômica. Se vai conseguir, é outra coisa, mas o fato é que ela jogou 2015 no lixo. A expectativa, agora, é que ela não perca 2016 e consiga salvar algo em 2017 e 2018.
Em 2018, a vitória de uma chapa com o PSDB no comando e alguém da bancada da “bala, boi e bíblia” como vice me parece mais do que provável. O desgaste do PT também me parece inevitável, talvez sem retorno. Mas Dilma pode, ao menos, tornar esses três anos que lhe restam menos trágicos do que foi 2015.