2015 ou ainda 2014? Reflexões sobre um ano que não termina. Parte 1
Em 2014, escrevi vários textos nesse blog, os quais chamei de “Momento Eleitoral”. O objetivo era colaborar com o debate para as eleições presidenciais e sugerir caminhos e perspectivas para o ano de 2015, especialmente no tocante à política e à economia. Incrivelmente, já que aquele ano eleitoral ainda não terminou, o termo ainda é justificável no título dessa postagem.
Não é nenhum segredo que apoiei a candidatura Dilma, ainda que, em essência, por considerá-la um mal menor frente ao PSDB e não por uma especial empolgação por um projeto petista que, já então, parecia estar fazendo água. Não me arrependo, pois, naquele momento, era a melhor decisão, frente às alternativas, a tomar. Também não é segredo a decepção que esse ano me trouxe, especialmente frente às escolhas na política econômica e aos erros políticos primários que foram cometidos. Por fim, sou contra a ideia de impeachment da presidente, pois não há nenhuma acusação de crime de responsabilidade que o justifique. Se acontecer, será um julgamento político, salvo o surgimento de alguma nova evidência.
A grande questão é, passado um ano, entender o que aconteceu. Como é possível que uma presidente eleita (numa votação apertada, é verdade, mas nem por isso menos legítima) tenha sido capaz de queimar todo o seu capital político já no seu primeiro ano de novo mandato? Como uma crise econômica da proporção da atual pode surgir quando não houve um acontecimento capaz de justificá-la? Afinal, como explicar esse ano de 2015?
Alguns problemas de fundo estão presentes. Em primeiro lugar, a direita conseguiu vencer (ou, ao menos, ter grandes vitórias) a guerra ideológica e cultural em curso e, se há algum grupo que leu Gramsci e suas teorias de hegemonia cultural com cuidado, foi a direita. Ano após ano, mês após mês, dia após dia, ela foi construindo uma narrativa de demonização do PT e da esquerda em geral. O Foro de São Paulo, a bolivarização, o espectro do comunismo e tantos outros foram alardeados sem parar, ao mesmo tempo em que uma revisão histórica foi sendo feita. De repente, começamos a acreditar que a ditadura foi um período glorioso da nossa História e que os anos de FHC no poder representaram unicamente progresso e avanço para o país.
Tal construção, claro, só vicejou porque a cultura política brasileira é profundamente autoritária e contra qualquer ideia de igualdade ou de direitos. A classe média, assustada com a perda dos seus privilégios e tendo que ficar de frente ao seu maior pesadelo (reconhecer que pertence ao mundo dos trabalhadores e não às elites), radicalizou-se e ser “anti PT” virou questão de identidade. E mesmo a classe C, a suposta “nova classe média” rapidamente caminhou nessa direção, especialmente quando percebeu que sua ascensão social era limitada pela falta de serviços públicos básicos. O clima cultural modificou-se à medida que a situação econômica melhorava, mas num sentido diferente do que se esperava.
O PT, claro, também colaborou muito para se colocar na situação em que está. Além do desgaste natural de anos no poder, o envolvimento de tantos petistas em escândalos de corrupção ajudou a desgastar a sua imagem, talvez a níveis irrecuperáveis. Toda pessoa que lê a mídia com olhar crítico percebe como as notícias são continuamente elaboradas para dar a impressão de que o único partido corrupto do Brasil é o PT, enquanto os dados indicam que ele é apenas mais um entre tantos e, proporcionalmente, menos envolvido do que outros na corrupção na política. Essa, na verdade, é um problema estrutural do Brasil. Sem propaganda, não se vencem eleições e, sem dinheiro, não se faz propaganda. Portanto, o dinheiro acaba por ser o motor da política e nenhuma empresa ou grupo doa para campanhas sem esperar nada em troca. E é um sistema que a maioria acha correto, tanto que, quando se quer questioná-lo como um todo, imediatamente a discussão é sufocada em favor do discurso de que o único problema é o PT.
Não obstante, apesar de todos esses poréns, fato é que o PT esteve e está envolvido no saque efetuado na Petrobrás, no Congresso e em outros locais. Isso é trágico, pois o partido sempre se dizia ético, diferente dos outros. Ao perder essa bandeira – e essa perda me parece definitiva – o partido se igualou aos outros e ajudou a cavar a sua própria sepultura. Ele optou pela governabilidade dentro do jogo sujo do presidencialismo de coalizão brasileiro, sem sequer pensar em alternativas.
Do mesmo modo, enquanto no poder, nenhuma reforma real na sociedade e na economia foi feita (e nem tentada) e espanta-me profundamente quando aparecem os discursos sobre “bolivarismo” ou “ a volta do comunismo”. O sistema capitalista no modelo brasileiro continua intacto, praticamente sem nenhuma alteração de monta desde 2003. O Estado continua a ser, em essência, um instrumento para interesses privados e clientelísticos e a economia prossegue a sua trajetória de exportadora de recursos naturais e agrícolas. Em mais de uma década no poder, praticamente nada foi feito para alterar isso. Reforma tributária, “desprivatização” do Estado, busca de mais eficiência no serviço público, política industrial capaz de colocar o país nas cadeias produtivas mundiais, repensar um MERCOSUL em crise constante…. Muitas outras iniciativas podiam ser mencionadas, mas nada praticamente foi feito.
O que Lula e Dilma fizeram foi simplesmente aproveitar uma boa fase da economia mundial e utilizar o Estado para dar, especialmente aos mais pobres, uma pequena renda via auxílios sociais e crédito fácil. Um modelo baseado no consumo e no crédito e que foi muito bem sucedido em reduzir a pobreza e a desigualdade social. Um modelo, contudo, que começou a perder força à medida que a economia mundial entrou em crise e que o Estado perdeu capacidade financeira. Continuar nesse modelo implicaria em mudar realmente a estrutura do Estado, de forma a liberar recursos para ampliar ainda mais os direitos sociais (especialmente na educação, na saúde, no transporte coletivo, na moradia etc.) e manter o crédito. Como uma mudança estrutural desse porte não estava no horizonte do PT, era inevitável que o modelo fosse fazendo água, como se tornou evidente no primeiro mandato de Dilma.
Enfim, o modelo petista de Estado e sociedade estava em crise em 2014, mas, mesmo assim, Dilma Rousseff ganhou a eleição. Pode-se alegar que ela dourou a pílula da situação econômica para a vitória, mas isso, apesar de tudo, faz parte do jogo político. Também se pode alegar que a vitória foi apertada, mas fato é que ela venceu. Em teoria, ela teria algum tempo para tentar corrigir a rota antes de um novo embate político, o que não aconteceu. Por quê? Será o tema do próximo post.