Alguém pode me explicar?
Da minha sala, assisto pela TV mais um capítulo da novela grega. Nesse momento, desenrola-se um show de vingança dos donos da Europa (o capital financeiro, encastelado no Bundesbank, no FMI e na União Europeia, e seus representantes políticos, como Merkel e Hollande) contra Tsipras e o povo grego. Esse teve a ousadia de eleger um governo de esquerda e de votar contra as regras impostas pelos senhores da Europa num referendum e tem que ser punido, com sangue se preciso for.
A Grécia já havia sido escolhida como o alvo central da fúria liberal e como o exemplo do sofrimento que o capital poderia impor em quem ousasse se levantar. Agora, a questão é pessoal e exige-se agora que os gregos abandonem a sua soberania e inclusive a sua possibilidade de escolha democrática: o FMI acaba de exigir que Tsipras renuncie e que assuma um “governo técnico” que siga suas ordens. Não é a toa que alguns jornais europeus, hoje, utilizem os termos “vingança”, “vendetta”, “revenge” e similares nas suas capas.
Não vou me deter aqui nas causas e consequências da crise do euro e da União Europeia, algo que já abordei várias vezes nesse espaço. O que gostaria de entender é a razão de Tsipras ter recuado logo após o referendum. Forte da decisão popular, ele poderia ter enfrentado a troika, inclusive aceitando sair do euro, que é o que os gregos optaram por fazer se a opção era mais austeridade. Mas ele, imediatamente, recuou e seguiu humilde para Bruxelas. O resultado é que ele se fragilizou e, ao invés de encontrar acolhimento por sua decisão de ir contra a decisão do seu povo, está a sofrer um verdadeiro bullying, com resultados imprevisíveis até hoje de manhã. Não é a toa que o Varoufakis renunciou de cara! Fez bem. A pergunta que fica é: Por que ele recuou depois do referendum, que ele convocou, ter lhe dado cacife para manter a aposta? Não consigo entender.
O mesmo vale para a Dilma. Com a mobilização de todos os setores progressistas, inclusive os muito críticos ao PT (nos quais me incluo), ela venceu as eleições. Ao invés de reforçar a aliança com esses grupos e, a partir daí, tentar construir uma relação com a parte do centro-direita (e da sociedade) disposta a negociar, ela fez o oposto. Ao invés de tentar negociar o ajuste financeiro (até certo ponto, inevitável) com a sociedade, distribuindo melhor as perdas e os custos, ela deu o poder a um Levy, que fez boa parte do que o PSDB dizia que ia fazer.
Ela paga o preço político de fazer uma política liberal, afasta os setores que a apoiaram (que, como eu, estão entre desconcertados e abatidos) e a maior parte dos que a odeiam continuam odiando-a. Até em coisas simples ela fez erros primários. Que governo de bom senso lança a ideia do “Pátria Educadora” para depois cortar o orçamento da Educação? Por que esse recuo, essa derrota, de cara, quando as urnas, apesar do resultado apertado, lhe devolveram o poder por mais quatro anos?
As ações da direita liberal podem ser execráveis, mas são coerentes. O que não consigo entender é a esquerda que chega ou permanece no poder e recua mesmo depois de uma vitória. E ninguém pode dizer que isso é algo inédito. Obama, Hollande e outros estão ai como exemplo. E exemplo inclusive de que o resultado acaba ser desastroso, eleitoralmente, no futuro. Obama se reelegeu a custo, Hollande é muito impopular hoje e o povo grego há de estar furioso com Tsipras por ter lhe dado um mandato para ir para a briga com a troika e recuar, humilhado. Dilma, então, é extremamente impopular hoje. E como não poderia ser? Não apenas paga os erros do PT em 12 anos no poder, como é responsável por ter dado uma rasteira nos seus apoiadores e fazer o trabalho dos seus inimigos, sem ganhar o respeito deles.
Mas a pergunta fica: alguém pode me explicar porque essas coisas acontecem? Estou desconcertado.