Grécia, Ventimiglia e os paradoxos da unificação europeia
Ler os jornais europeus nas últimas semanas é perceber com clareza como o sonho inicial da União Europeia – uma associação entre Estados que traria a paz, a solidariedade e o progresso ao continente europeu – está a se romper, e rápido. Um processo que já está a ocorrer há algumas décadas, mas que, agora, parece estar se acelerando.
Na Grécia, a lenta destruição do país prossegue a olhos vistos. Ao invés de uma estratégia solidária, que obrigasse Atenas a enfrentar seus problemas e erros (que existiram, claro), mas fornecendo os meios para uma saída razoável de uma situação crítica, temos o contrário. Em outros termos, uma política irracional do ponto de vista econômico (o pagamento de dívidas por austeridade em meio à crise). Exige-se da Grécia, por exemplo, um superávit primário que nem países em crescimento acelerado seriam capazes de sustentar e pedem-se ainda mais cortes no campo social quando os gregos já não tem mais como suportar a crise social. O objetivo é punir a Grécia (e a Europa do Sul em geral) e fazê-la se converter em um modelo de economia liberal.
Nas fronteiras da Itália com a França (em Ventimiglia) ou a Áustria ou na da Hungria com a Sérvia, o mesmo colapso de qualquer tipo de interesse coletivo desaparece. Ninguém quer os imigrantes e refugiados e a única saída é uma solução coletiva: decide-se quem pode ser admitido e divide-se o custo dessa admissão entre todos e se expulsa os que não se enquadram. É a solução prevista pelas leis e acordos existentes, mas, na hora H, todos fogem da responsabilidade.
A Itália, assim, não quer o ônus político de selecionar e deportar os imigrantes e prefere liberá-los para que eles sigam para a Inglaterra, a França ou a Alemanha. Esses bloqueiam as fronteiras (numa contradição ao espírito de Schengen) para pressionar a Itália a fazer o devido, mas não oferecem espaço nem apoio para atender minimamente os que chegam. Os países do Leste Europeu, pouco afetados pelo fluxo do Mediterrâneo, não querem nem saber do que está acontecendo. Todos jogam o problema para o vizinho, na esperança de que os refugiados e imigrantes não fiquem no seu país e que a hostilidade da população (tanto por racismo como por disputa dos escassos empregos e recursos sociais disponíveis) não atinja os políticos locais.
Nas fronteiras do oriente, a União Europeia se revela incapaz de estabelecer uma estratégia coerente para lidar com a Rússia e fica na dependência do poder americano. E, por fim, em toda a Europa, movimentos e partidos que defendem o fim da União Europeia, a volta das fronteiras e das culturas nacionais e a expulsão dos “outros” se desenvolve. Do sonho de Adenauer, De Gasperi e outros, pouco parece ter restado.
Problemas conjunturais podem ser elencados para explicar isso. O maior foi a estratégia de criar uma moeda única para dezenas de países em condições diversas, sem uma política comum. Mas são as questões de fundo, estruturais, que realmente estão a fazer a engrenagem europeia pifar.
Uma é o fato de a UE não ser uma Federação, mas, no máximo, uma Confederação. Os políticos que tomam as decisões respondem a eleitorados e forças nacionais e não espanta que reajam de forma egoísta. Para o eleitor alemão médio, a catástrofe grega é até merecida para punir os “irresponsáveis gregos”. Para Angela Merkel, portanto, ajudar os gregos de forma solidária seria um dano político e a simpatia que ela ganharia na Grécia não conta nada na sua carreira. Para o eleitor francês, é importante que os refugiados sejam expulsos de Calais para a Inglaterra, mas impedidos de entrar em Ventimiglia. Os políticos franceses terão que lidar com isso e isso se repete por todo lado.
Outro motivo é a vitória do neoliberalismo na Europa. Não uma vitória tão grande como a ocorrida em outras partes do mundo, mas o suficiente para romper aquela ideia de união e apoio mútuo e para acirrar as disputas sociais e entre países. A Europa era vista como aquela que traria apoio, recursos e confiança. Agora, ela é identificada, com razão, como mais uma das estruturas que aplica o ideário liberal (especialmente o alemão) no continente e força a agenda liberal onde pode, como na Grécia, na Península Ibérica ou na Itália. Quem não estaria decepcionado com o projeto?
A globalização já estava a afetar as bases do modelo europeu e o multiculturalismo já estava em cheque há muito. Agora, contudo, as coisas se radicalizaram. Cada país, cada cultura, cada grupo social, cada pessoa tenta salvar o que pode e dane-se o vizinho. Nessa nova conjuntura de todos contra todos, o sonho europeu se fragmenta. Vai se recuperar? Talvez. Ou talvez voltemos ao velho mundo europeu, no qual nacionalismo e disputas levaram a duas guerras mundiais e à destruição da Europa.
Panorama lúcido e esclarecedor do atual estado das coisas no mundo europeu.