O início do segundo mandato da presidente Dilma tem sido um festival de decepções para os que, como eu, a apoiaram. Numa conjuntura semelhante, entre Dilma e o PSDB, voltaria a apoiá-la, mas apenas como mal menor. Dilma, infelizmente, está demonstrando uma habilidade política e de comunicação quase inexistente, se isolando dos aliados e da sociedade. Depois, ao entregar a economia a um liberal, a agricultura a uma ruralista e a Educação a sabe-se quem, ela deixa seus apoiadores numa situação, no mínimo, complicada. Como defendê-la nesse contexto? Impeachment ou pedido de renúncia, nesse momento, não passam de mero golpismo, mas impressiona como seu mandato pareça estar terminando antes de começar. Temos quatro anos ainda pela frente, e tudo pode mudar, mas a situação atual é realmente desanimadora.
O ciclo do Partido do Trbalhadores no poder está, no meu entendimento, chegando ao seu final. Estruturalmente, pelo esgotamento do modelo de distribuição de auxílios às pessoas carentes (de resto, perfeitamente defensável e que trouxe ganhos sociais imensos) e do crescimento baseado em estímulo ao consumo e na dependência do apetite do mercado internacional por matérias primas e alimentos. Igualmente, pela impossibilidade de prosseguir com a política de “paz e amor”, ou seja, a de mudar uma sociedade extremamente desigual sem afetar os interesses das elites. Depois, o partido está desgastado pelos anos no poder e seus erros e omissões se acumularam a tal ponto que começam a se tornar pesados demais.
E a corrupção? Volto a afirmar o que sempre afirmei, ou seja, que o PT nem de longe é essa máquina de corrupção que nos é apresentada pela mídia e, da mesma forma, que ele não é o único responsável por um problema que é estrutural no Brasil. No entanto, ele perdeu a sua aura antiga de partido da ética e isso não pode deixar de afetar a sua imagem pública.
A corrupção é um problema estrutural no Brasil e todo mundo, na verdade, sabe que, para controlá-la, é preciso uma reforma legal (alterando leis como o decreto do FHC que abriu as portas para o sistema de corrupção na Petrobrás, implantando o financiamento público das campanhas, etc.) e a mudança no sistema eleitoral. Enquanto o dinheiro for fundamental para se eleger um candidato e esse dinheiro for fornecido pelas empresas em troca de favores, a corrupção nunca terminará. Basta ver, a propósito, que a esmagadora maioria das denúncias de corrupção não se refere ao roubo de dinheiro público para contas pessoais (ainda que isso exista), mas para financiamento de campanhas.
Na verdade, se operações como a “Lava Jato” (e tantas outras) forem realmente a fundo, não é só o PT que entrará em colapso, mas praticamente todos os partidos e todo o sistema político nacional, que se sustenta no financiamento privado de campanhas e na divisão de feudos do Estado para sustentabilidade política. Como as coisas caminham, o PT será, contudo, o mais afetado, tanto por estar no poder, como pela concentração midiática sobre ele.
Nesse contexto, será que, para 2018 (ou antes), estaremos vendo uma nova realidade no Brasil? Não há como prever. Talvez o PT se recupere e se recicle e talvez vejamos, novamente, o PSDB no poder. Mas será que estaríamos no momento de uma superação da dicotomia PT/PSDB que comanda o país há vinte anos? E, se isso for verdade, quais as opções que aparecem?
Praticamente desde a redemocratização, em 1985, PT e PSDB são os atores principais da política nacional. O PT surgiu como uma proposta de esquerda que caminhou para uma de centro-esquerda, enquanto o PSDB, que surgiu no centro-esquerda, acabou se dirigindo ao centro-direita. Com a exceção de alguns poucos momentos (como os anos de Collor de Mello), ambos conduzem seus respectivos campos – a esquerda e a direita – anulando, assimilando ou coordenando outros partidos e agrupamentos. Grupos como o PSOL ou o DEM têm que que se relacionar politicamente (seja pela oposição, seja pela aliança) com ambos. Mesmo o fiel da balança da política brasileira, o PMDB, acaba, inevitavelmente, tendo que se aliar com um dos dois, ou com ambos. Sem uma ideologia definida e um projeto para o país, ele (dividido em feudos e grupos com pouco em comum, como os encabeçados por Eduardo Cunha ou Roberto Requião), precisa do PT ou do PSDB tanto como esses precisam dele.
Na verdade, a concentração do debate político ao redor de uma proposta mais à direita e outra mais à esquerda não é algo novo ou singular e demonstra, mais do que tudo, a permanência da divisão esquerda e direita no mundo político ocidental. Claro que os termos do debate variam de país para país, mas, em linhas gerais, se concentram, nos dias de hoje, na questão do mercado como eixo da vida social e econômica e no papel do Estado dentro do capitalismo.
A busca de alternativas que fujam desse modelo de dois partidos (ou grupos partidários) dominantes são comuns a muitos lugares. Nos países anglo-saxões, o sistema político visa ao bipartidarismo e fazer política nos Estados Unidos sem ser republicano ou democrata é muito dificil, talvez impossível. Todos os esforços para romper esse modelo têm falhado, ainda que com efeitos conjunturais de importância, como em 2000, quando os dois milhões de votos dirigidos ao verde Ralph Nader podem ter colaborado para a eleição de George W. Bush.
No caso do Canadá ou da Austrália, há agrupamentos políticos independentes, como liberais ou verdes, mas as forças que dominam o cenário ainda são os conservadores e os trabalhistas (ainda que as denominações variem). Mesmo na Inglaterra, a tentativa de criar uma alternativa ao pólo conservadores/trabalhistas acabou falhando e os liberais-democráticos têm perdido força. O mesmo se repetiu na Alemanha com os democrata-cristãos e os social-democratas, questionados na sua hegemonia pelos verdes, pelo Linke ou pelo Freie Demokratische Partei, mas ainda no comando do país. Os casos que mais nos interessam, contudo, são três: a França, a Itália e a Espanha.
Na França, o sistema político é dominado pelo Partido socialista e pela Union pour un Mouvement Populaire, de constituição recente, mas que incorpora as forças mais antigas e à direita do espectro político, com a exceção da extrema-direita, na França representada especialmente pela Frente Nacional, de Marine Le Pen. O PS e a UMP se revezam no poder e a novidade recente tem sido o crescimento da Frente Nacional, ainda que, em eleições dias atrás, a sua projetada ascensão tenha sofrido revezes.
O caso francês é interessante, pois a UMP representa o que, nos termos franceses, seria a direita liberal, republicana e próxima dos ideais de Angela Merkel e dos mercados internacionais. O PS seria a oposição a isso, mas, a medida em que esse partido, especialmente no governo Hollande, assumiu uma feição mais próxima do liberalismo, a distinção entre eles perdeu força para o eleitor comum, que quer respostas para a crise econômica.
O resultado é a ascensão de uma extrema-direita de corte fascista, mas que não é mais apenas um partido xenófobo ou nacionalista. A nova Frente Nacional se apresenta como a única capaz de resistir aos males do capitalismo financeiro descontrolado (corporificado no euro, na burocracia de Bruxelas, na imigração descontrolada e em pontos similares) e, até por isso, consegue apoio em redutos tradicionais da esquerda, como as classes populares. O populismo da Frente Nacional pode ser, na prática, irrealizável, mas consegue apoio na medida em que rompe com dois partidos que se alternam no poder, mas que não apresentam reais alternativas à austeridade, à insegurança, à crise de identidade, etc.
Na Itália, a polarização política é uma tradição e, no pós-1945, era representada por um centro-direita centrado na Democracia Cristã e um centro-esquerda com eixo nos Partidos Comunista e Socialista. Com o tempo, esse eixo foi redimensionado através de uma aliança do Partido Socialista com os democrata-cristãos, deixando o Partido Comunista isolado. Esse sistema entrou em colapso com os escândalos de corrupção que praticamente destruíram o Partido Socialista e a Democracia Cristã. Na esteira desse colapso, emergiram uma centro-direita liderada por Silvio Berlusconi e o Partido Democratico, reciclagem do antigo Partido Comunista numa roupagem democrática e extremamente moderada.
O eixo Berlusconi/PD tem conduzido a política italiana desde 1994, mas alterações de monta tem aparecido nos últimos anos. Em primeiro lugar, depois de ter levado a Itália a anos de paralisia e estagnação, o centro-direita de Berlusconi entrou em colapso, estando ainda a se reorganizar. Matteo Salvini, da Lega, por exemplo, está em pleno processo para tentar ocupar esse espaço, convertendo seu partido para um populismo de direita parecido (mas não igual) com Marine Le Pen.
O centro-esquerda também se desgastou com o tempo, mas a liderança de Matteo Renzi foi capaz de renová-lo e está a comandar o país. Renzi representa um liberalismo com tons de esquerda, mais próxima de um Tony Blair ou de um Gerhard Schroder do que do antigo socialismo. Não há como se iludir exageradamente com ele. Mesmo assim, frente a décadas de paralisia, a sua atuação tem sido suficiente para dar uma sobrevida ao Partido Democratico e ao seu lugar nas esperanças dos italianos para o futuro.
Ele conseguiu, também, ocupar o espaço deixado pelo movimento 5 Stelle, fundado em 2009 e comandado por Beppe Grillo. Ele apareceu como uma alternativa ao sistema de dois partidos dominantes e contra a ‘politicagem”, a corrupção endêmica, etc. Suas bandeiras eram e são vagas (água, ambiente, energia, etc.) e o grupo se proclama como aquele que superou a política tradicional: não teria uma filiação nem de direita nem de esquerda, não seria um partido, mas uma associação, e privilegiaria a democracia direta, pela internet.
O grande problema desse grupo é que, ao se proclamar anti-político, mas participar da política, ele se torna ambíguo. Suas ações no Parlamento italiano são mais de obstrução do que proposição e o centralismo ao redor do seu líder, Beppe Grillo, é bem pouco democrático. Suas propostas são tão vagas que fica difícil estabelecer diretrizes ou uma linha de ação, o que explica os incessantes conflitos internos, as defecções, etc. E, ao final, já que é impossível não ter alguma linha ideológica que conduza um partido ou movimento, ele começa a se aproximar do centro-direita, se posicionando contra a União Europeia, a imigração, etc.
A anti-política tem realmente esses problemas. Um grupo ou uma pessoa pode se considerar contra a política institucionalizada e se manter a parte. Se ela entra nesse sistema, contudo, ela tem que agir, minimamente, dentro dele e não basta ser contra tudo e todos. Depois, se elimina-se a política, o que se coloca no lugar? Propostas de reformar o sistema político ou de susbstituí-lo por algo completamente novo são possíveis, mas defender a sua eliminação sem propor alternativas é uma bandeira vazia. Não espanta que o 5 Stelle esteja, na minha visão, em um momento de retração e que Renzi tenha ocupado o seu espaço frente aos que queriam mudanças.
Na Espanha, o mesmo cenário se repete. Desde a redemocratização, um centro-direita centrado no Partido Popular (PP) e um centro-esquerda com eixo no Partido Socialista (PSOE) comandam o país e se alternam no poder. O PP, no comando há alguns anos, comanda uma das mais eficientes ofensivas liberais na Europa, revertendo décadas de conquistas sociais e utilizando o argumento da crise para implantar uma agenda há muito elaborada. O PSOE, por sua vez, tem dificuldades em se apresentar como uma alternativa crível ao projeto do PP, até porque sua gestão da economia também foi próxima do liberalismo, ainda que não da forma radical com que o PP está a conduzir as coisas. Ambos, além disso, estão há muito envolvidos em contínuos escândalos de corrupção, loteamento de cargos e outros elementos da “politicagem” mais tradicional.
Nesse contexto, surgiu o “Podemos”, liderado por Pablo Iglesias Turrión. Sua proposta é superar a proposta liberal do PP e lutar pelos direitos sociais, pela recuperação do Estado pela sociedade (frente aos poder dos banqueiros e dos políticos tradionais), contra a austeridade, etc. Também se propóe, contudo, a superar a esquerda do PSOE e o modelo compartilhado por esse partido com o PP. O Podemos é interessante porque se assume como um partido político e que quer fazer política. Depois, suas propostas tem organicidade e ele se assume como um partido que emerge das tradições de esquerda, sem se propor anti-político ou simplesmente “contra tudo o que está ai”. Se ele tem chances reais de chegar ao comando em Madri e como seria sua gestão é algo a ver, mas é uma alternativa no mínimo a considerar.
A partir desses exemplos de sociedades tão próximas da brasileira, podemos pensar nas alternativas nacionais. O que teremos no país? Uma Le Pen, um Matteo Renzi, um Pablo Iglesias ou um Beppe Grillo? Nunca haverá equivalência total, mas vale a pena comparar e utilizar esses nomes pode ser de utilidade didática, ao menos.
Uma Le Pen brasileira é improvável. No Brasil, o crescimento de forças extremamente conservadoras – como os evangélicos, os ruralistas e outros, que formam a chamada bancada BBB, ou “Bíblia, Bala e Boi”, no Congresso –é um fato evidente e nenhuma ação política no Brasil pode deixar de levar em conta esse fato. Eles estão prontos a apresentar suas agendas, normalmente em viés moralista (contra o aborto, os gays, os direitos das mulheres e das minorias, etc.) e contra o Estado laico, e sua influência não pode ser subestimada, especialmente no Congresso.
Nas manifestações recentes contra o governo petista, o mesmo caldo cultural pode ser evidenciado. Manifestações contra o governo (federal, estadual ou municipal) são legítimas e devem ser respeitadas. Do mesmo modo, certas bandeiras são, evidentemente, corretas, como o combate à corrupção. No meio delas, contudo, também ficou evidente um caldo de rancor, ódio e boçalidade que não pode ser desprezado na análise da conjuntura política.
Até pela sua fragmentação e competição internas, contudo, as chances da dicotonomia PT/PSDB ser superada por um partido fundamentalista evangélico ou pela extrema direita organizada me parecem poucas, ao menos no presente momento. Marine Le Pen lidera um partido com uma história e uma tradição longas e tem propostas concretas. Podemos recusar essa tradição e essas propostas, mas elas dão alguma viabilidade política à Frente Nacional. Os evangélicos, a bancada ruralista ou os nostálgicos da ditadura não tem, ainda, essa organicidade e nem propostas de Estado e sociedade que vão além do “não” ou do “contra”.
Um Beppe Grillo brasileiro é possível e já existe, na figura de Marina Silva. Sua proposta, em 2014, era de uma “nova política”, de superação da dicotomia PT/PSDB e entre esquerda e direita e suas propostas eram vagas e contraditórias, centradas em questões ambientais e em bandeiras amplas. O fato de ela ser evangélica e de, ao final, ter se aliado ao PSDB diminui o seu apelo “antipolítica”, que costuma atrair as classes médias (“Que se vayan todos”, como se dizia na Argentina). Mesmo assim, ela está presente e será uma força nas próximas eleições, ainda que seja difícil saber até onde ela pode ir.
Um renovador do Partido dos Trabalhadores emergindo internamente seria algo desejável e eu acredito que Fernando Haddad seria a pessoa correta para isso. No entanto, até pelo fato de o Partido ainda estar no poder, a perspectiva de uma liderança alternativa, de um Matteo Renzi nacional (de preferência, mais a esquerda), ter espaço me parece pequena, ao menos por enquanto.
Eduardo Campos não se pretendia o Pablo Iglesias nacional e tanto o PSB como o PSOL, por exemplo, não tem a mesma formação social e trajetória política do Podemos espanhol. O Podemos pretende ser, na verdade, algo novo e não uma emanação de partidos já existentes. Campos e o PSB tentaram, contudo, se apresentar, antes de sua morte, como a alternativa de esquerda ao PT, o que poderia permitir alguma aproximação. Hoje, contudo, essas opções desapareceram e eu não vejo um quadro que permita o surgimento de um Pablo Iglesias brasileiro.
O que nos resta então? Se efetivamente o Partido dos Trabalhadores não se reciclar e perder o controle do governo federal em 2018, considero que a “antipolítica” de Marina não terá forças para substituí-lo e que uma Le Pen nacional é improvável. Um Podemos nacional também parece pouco provável. O que resta então? Um PSDB cada vez mais à direita, que pode ser apoiado pela crescente força evangélica.
As forças da extrema-direita ou do fundamentalismo exigirem – e receberem – cada vez mais nacos de poder é, na verdade, uma possibilidade cada vez maior e, na verdade, já está a acontecer. O PT já fez todas as concessões possíveis à bancada evangélica no Congresso e o PSDB estaria ainda mais disposto a isso. Um Bolsonaro ou Feliciano na Presidência da República ainda é, felizmente, uma perspectiva distante. Um deles na vice-presidência ou em Ministérios chave, contudo, é uma possibilidade real.
Nesse caso, teríamos, no Brasil, o modelo “liberalismo + religião” que mantem vivo o Partido Republicano nos EUA. Tempos atrás, eu escrevi que o Brasil era “a kind of tropical United States” e a evolução política nacional o confirma. Pena que não sigamos o exemplo das inúmeras coisas boas que há nos Estados Unidos, mas apenas a parte negativa. Nem Beppe Grillo, nem Matteo Renzi, nem Pablo Iglesias e muito menos Marine Le Pen. Em 2018, é a sombra de George W. Bush que eu vejo aparecendo no horizonte brasileiro.