O título para esse post é propositadamente carregado da palavra “crise”, pois não há outra mais usada no Paraná nessas últimas semanas, desde quando o governador Beto Richa decidiu lançar um pacote de “maldades” que afeta, especialmente, os servidores públicos. A reação veio com uma força talvez inesperada para o governo e o resultado ainda está por vir, mas não há como não apoiar a luta dos servidores em defesa própria e também dos serviços e do patrimônio públicos.
A alegação de um colapso das finanças estaduais tem que ser vista com cautela. De um lado, é verdade que a paralisia da economia está a provocar uma redução das entradas fiscais do Estado. Não no sentido da diminuição, mas de um aumento menor de arrecadação. Frente a esse cenário, medidas de racionalização de gastos ou de garantia de um gasto melhor (ou seja, obtendo-se o mesmo resultado com menos despesa) são perfeitamente razoáveis, assim como medidas de aumento da arrecadação.
Esse, aliás, foi um dos erros do “pacotão” do Beto Richa, ou seja, misturar medidas aceitáveis (como a adoção de uma “nota fiscal paulista” no Paraná) com outras polêmicas e que demandam, no mínimo, discussão aprofundada. Além disso, a ideia de aprovar tudo a toque de caixa, na base do “tratoraço”, revela uma faceta autoritária. Pode revelar, também, a visão de setores do governo estadual: se fizemos um governo com poucas realizações (para dizer o mínimo) e, mesmo assim, fomos reeleitos no primeiro turno, então podemos fazer o que quisermos.
Mas voltando ao discurso da “crise”, há, pois, um pequeno fundo de verdade, mas bem pequeno. Em primeiro lugar, como é possível que as contas do Estado tenham sido aprovadas, estando inclusive dentro dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e, meses depois, o Estado esteja a a “contar centavos” para pagar os funcionários? Tudo é obscuro e em uma caixa preta. Se há uma crise, o mínimo a fazer é abrir a contabilidade de forma transparente.
A questão, porém, é que o discurso de crise é muito útil para fazer as pessoas aceitarem o “mal menor” e permitir que projetos sejam realizados com uma resistência menor. O melhor exemplo é a Espanha. Havia uma crise no país devido ao colapso da bolha imobiliária, as “amarras” do euro, etc., e a Espanha teria que se adaptar a isso, com sacrifícios. Isso era inevitável. A direita espanhola aproveitou o momento, contudo, para implantar projetos de cunho neoliberal que estavam sendo incubados há décadas.
O mesmo parece estar a acontecer no Paraná. Há um orçamento público finito e as entradas fiscais já não crescem tanto. Então, alegando uma crise, um colapso total, eu, governo, privilegio aquilo que tem me sustentado no poder (verbas publicitárias, comissionados, acordos, etc etc) e jogo a conta para grupos que, na maioria dos casos, não estão comigo, como os professores, o ambiente universitário, etc. Sendo bem maquiavélico (no sentido tradicional do termo), faz todo o sentido. O que não significa que os escolhidos para “pagarem o pato” devam aceitar.
Ao mesmo tempo, há uma agenda em curso. Uma para sucatear o mais possível o ensino público e também as Universidades públicas, de forma a liberar recursos estatais para o que interessa aos donos do poder (numa outra prova que a ideia do “Estado mínimo” é ficçao dos neoliberais: a questão é onde gastar) e espaço para as escolas e Universidades privadas, que podem crescer na esteira da crise do público. E nem acho que se pense em privatizar no sentido literal. Se a ideia é transferir recursos e abrir espaço para o privado, o sucateamento e o corte de orçamento já resolvem.
Não que esse sistema de privatização não exista. Um modelo muito comum é identificar um serviço público potencialmente lucrativo, mas com problemas, sucateá-lo e, então, vender a ideia de que só o privado funciona. Ai, vc pode vender esse serviço ou empresa a preço de banana para o setor privado e/ou fazer uma “concessão”, dando lucros imensos para os que conseguem comprar ou ganhar a concessão, os quais são, normalmente, os que estão no poder. Isso serve para empresas de lixo ou de ônibus urbanas ou para a Petrobrás, que está sob um ataque brutal justamente para isso.
Não me parece que seja isso que esteja no ar. O governo não propõe medidas para o público funcionar melhor (como a demissão de funcionários e professores incompetentes, a diminuição da burocracia, etc.) e nem a privatização do sistema escolar e universitário. Seria um desgaste imenso e quem iria querer comprar, digamos, a UEL ou a UEPG? Legalmente, vc não poderia reduzir todos os professores a horistas e, sem isso (e outras coisas), não há lucro. Matar pelo corte do orçamento resolve a questão e o custo é menor. O discurso da “crise” entra aqui.
Ao mesmo tempo, esse discurso pode abrir oportunidades. O governo abriu a discussão com o seu “tratoraço” e talvez valha a pena aproveitar a chance para pressionar, lutar e discutir. Alguns exemplos do que eu acho que poderia ser colocado em pauta, se possível fosse:
Enfim, pontos para discussão, nos quais posso estar completamente errado ou ter alguma razão. Mas que valeriam a pena. Ao lado da luta contra o “pacotaço”, há de se aproveitar a chance para crescer. Ou para tentar, ao menos.
Por fim, apenas uma nota. Não sei se é o caso de pedir o impeachment do Beto Richa. Aos que defendem o impeachment da Dilma, respondo que ela foi eleita democraticamente e que trair os eleitores, fazer burradas e etc são prerrogativas dela. Se for comprovado que ela cometeu crimes passíveis de impeachment (do que duvido, completamente), é outra coisa.
Idem para o Beto Richa. Seja como for, ele foi eleito democraticamente e tem o direito de fazer as burradas que quiser, assim como de escolher quem será beneficiado e quem pagará o pato no seu governo. Nós temos o direito, é claro, de resistir e brigar com ele, até o fim. Mas impeachment, só se for comprovado que algo realmente ilegal foi feito. E depois, alguém lembra quem é o marido da vice-governadora, que assumiria o Estado? Os maringaenses, ao menos, sabem que essa perspectiva é tudo, menos animadora….