União Europeia, eleições e esperanças frustradas.
Os últimos resultados para o Parlamento Europeu não podem deixar de assustar. Mesmo levando-se em conta que a maioria do eleitorado não liga muito para as eleições do PE e que a abstinência foi alta, em pelo menos três países de peso (França, Inglaterra e Holanda) a extrema direita teve imensa votação, bem mais do que o esperado. Em outros países, apesar de terem menos votos do que os partidos tradicionais, a extrema-direita também cresceu.
A parte os tradicionais bordões anti-imigração, etc., o motivador central foi a questão da União Europeia. A maioria deles prega a redução dos poderes de Bruxelas, a volta das fronteiras nacionais e, no limite, que o euro e a União Europeia sejam extintos.
Fora a contradição que é se candidatar em eleições europeias para pedir a extinção da União, o que mais chama a atenção é a decadência do apelo europeu. Até há pouco tempo, a ideia de Europa era a de um modelo de estabilidade e democracia e de um capitalismo pelo menos mais justo e includente. Pertencer à EU e os seus valores eram sonhos e, agora, tais sonhos parecem ter se tornado pesadelos. A Islândia, que estava para ser incorporada, voltou atrás; a Turquia parece ter perdido seu entusiasmo e apenas em lugares como a Ucrânia (ou o seu oeste) as pessoas ainda estão ainda inclinadas pela ideia de Europa, pois as alternativas disponíveis são piores. De qualquer modo, o entusiasmo pela União arrefeceu e isso tem consequências desastrosas.
Em parte, isso é natural, pois uma coisa é manter uma unidade na qual todos ganham e são beneficiados; outra é tentar manter essa mesma unidade num contexto de crise e de perdas. No caso da Europa, contudo, as perdas e ganhos na crise foram distribuídos de forma tão desigual (com o norte da Europa ganhando e o sul e leste perdendo) que a tensão se tornou muito maior.
A meu ver, o problema central é que o binômio de democracia e avanço social que marcava a ideia de Europa para os habitantes do continente foi substituído por outro, tecnocracia e recessão. A União Europeia é gerida, afinal, por tecnocratas não eleitos por voto popular. Mesmo que haja um Parlamento europeu e que sejam os governos eleitos das Nações que comandem a União, a relação não é direta. Ou seja, falta democracia à Europa.
Ao mesmo tempo, quando a grande crise de 2008 explodiu e as contradições do euro (uma moeda única sem políticas econômica, fiscal, de competitividade, etc. unificadas) explodiram, a receita implantada foi a neoliberal, da Alemanha de Merkel. “Paguem-se as dívidas a qualquer custo e os mercados restaurarão a prosperidade”. O resultado não poderia ser outro: profunda recessão, colapso de economias inteiras, uma ou mais gerações perdidas e desespero generalizado. E, o que é pior, nenhuma perspectiva de equacionar sequer o problema da dívida, pois economias em crise não geram renda para isso. Ou seja, faltou solidariedade e resistência ao liberalismo na Europa.
Os novos movimentos populistas de direita batem nessas teclas para crescer, capitaneando o desencanto popular. Se a EU representa apenas um monte de tecnocratas que chegam para trazer o desemprego e a pobreza, para que serve isso? Voltemos às nossas moedas e tudo estará resolvido. A culpa real de algumas dessas sociedades (que usaram a época da bonança para o nada) e a praticabilidade disso não importam. Com essas bandeiras antiliberais e pela volta das soberanias, a direita cresce.
E cresce também pela debilidade da esquerda, que ainda não superou o trauma do muro de Berlim e continua a ser tímida e desesperada para agradar aos “mercados” para se mostrar respeitável. A política suicida de austeridade, a pouca democracia da EU e o corte nos benefícios sociais deveriam ser bandeiras que a esquerda deveria carregar para o alto, pois são da sua essência. Mas não o fizeram no nível necessário e a extrema-direita as absorveu, com outro sentido. O resultado está na maciça votação que ela recebeu.
Outra prova disso é que, na Itália, onde Matteo Renzi iniciou uma política, tímida que seja, mais a esquerda, a extrema direita não avançou tanto e o PD teve resultados excelentes. Onde a esquerda, por mais timidamente que seja, não renega suas bandeiras, algum resultado aparece.
A Europa precisa é de mais unificação e não menos. Mais unidade política, com a formação de uma verdadeira cidadania europeia. Mais unidade econômica, em política monetária, fiscal, etc. E mais unidade para vencer a ditadura dos mercados e restaurar a proposta de, ao menos, um capitalismo menos perverso. Uma nova Europa, para os cidadãos e não apenas para os mercados. O dilema é que parte da Europa começa a considerar que a única democracia possível é nas fronteiras nacionais e que a prosperidade será impossível de atingir ou manter dentro da União.
A UE está agora em crise e espero que as lideranças comecem a reagir, sob pena de um sonho tão fantástico ir para a lata de lixo da História.