João Fabio Bertonha

fabiobertonha@gmail.com

Sobre crimes e luta de classes

É inevitável, nos últimos dias, ser bombardeado por noticias referentes ao assassinato do menino no Rio Grande do Sul. Uma história de abandono e violência horrorosa e, talvez por eu ser pai, me deixou bastante comovido e, acima de tudo, revoltado. Entendo perfeitamente a revolta das pessoas e que a justiça deve ser feita. No entanto, não pude deixar de notar algumas coisas:

 

1) Até para cometer crimes, a falta de educação básica parece importar. A educação formal não produz automaticamente cidadãos conscientes e uma mão de obra preparada, mas é um primeiro passo. Essa falta afeta dramaticamente a nossa sociedade, fazendo-nos permanecer na posição de um povo passivo e alienado na maior parte do tempo e com enormes dificuldades em ter as menores tarefas feitas. No bar da esquina, na escola, em todos os lugares a falta de educação básica impede que as coisas sejam feitas de forma racional e eficiente. E isso até no crime. O que aquelas duas moças fizeram, em termos de planejamento e execução de projeto, foi de um amadorismo e de uma burrice sem fim, deixando pistas e evidências para todo lado. Não estou a discutir aqui a questão ética (e nem precisa, pois foi abominável), mas a simples execução. Elas fizeram Universidade, mas a minha hipótese é que apenas aprenderam algo técnico e pronto. Não desenvolveram o raciocínio e a capacidade de projetar e planejar algo ou, digamos de forma mais simples, de pensar além do umbigo.

2) Mas a questão central, claro, é a sensação de impunidade. Os envolvidos pertencem, ainda que em escala regional, aos que têm (propriedades, status, etc.) e isso os blinda de quase tudo. Em boa medida, creio que o ato cometido reflete a sensação de poder, de quem sabe que pode fazer o que quiser, pois estão protegidos. E o mais interessante é que são protegidos até na revolta popular. Observei que, quando se trata de ladrões ou estupradores das classes populares (normalmente, jovens negros e pobres) a grita nas redes sociais é por morte. “Borracha neles”, “Matar a semente do mal” e por aí vai. Não se pede justiça, que o criminoso seja julgado pelo seu ato conforme a lei (o que é correto, claro), mas que se instaure o terror. O grito contra a impunidade, na verdade, não é um grito para que as leis sejam cumpridas, como num lugar civilizado, mas que a patuléia seja mantida no seu lugar, a qualquer custo.

Já no caso desse menino, eu passei os olhos em algumas redes e o grito pela morte não aparece tanto ou é quase inexistente. Pede-se justiça, que eles sejam condenados, etc. Ou seja, para eles, pede-se o que devia ser a norma para todos, mas para outros é a porrada que vale. A revolta aparece, como seria impossível não aparecer, mas já cheia de nuances e poréns.

A violência doméstica ou geral parece ser vista mesmo dessa forma e só quando ela cruza fronteiras é que se torna problema. Se eu sou um dos que têm, eu posso bater na minha mulher ou nos meus filhos e ninguém tem nada a ver com isso. Se eu sou pobre e faço o mesmo, também ninguém se importa muito. Mas se um pobre atravessar a fronteira e roubar ou matar alguém de classe superior, ai o grito contra a impunidade aparece.

E ainda vão me dizer que não existe mais luta de classes ou sociedade de classes…..

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Informação

Publicado em abril 21, 2014 por .
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