Duas informações interessantes a que tive acesso nos últimos dias me fizeram pensar novamente nos limites e nas vantagens do político.
1) Matéria da Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/04/1434959-brasil-e-o-pior-em-retorno-de-imposto-a-populacao-aponta-estudo.shtml) indica que a relação entre a carga de impostos pagos e o retorno à sociedade é dos piores do mundo, senão o pior. As estatísticas podem ser questionadas, mas acho razoável acreditar que o dado geral continua verdadeiro: o Brasil é um país com carga tributária bastante alta (ainda que não a mais alta do mundo), mas cujo retorno à cidadania é muito pequeno.
2) Recebi a informação de que, nos últimos dez anos, o orçamento da Capes, a agência federal que avalia e promove a pós-graduação no Brasil, teve seu orçamento aumentado em dez vezes, com multiplicação equivalente em número de programas, bolsas, etc. Agora, a perspectiva de crescimento nesse nível acabou, mas a melhora foi substancial.
Esses dois elementos me fizeram pensar no valor da política e da democracia. Muitas pessoas tendem a desvalorizar o político seja por caírem na armadilha ideológica que é afirmar que “todo político é igual” seja porque veem, na democracia, um obstáculo a seus interesses maiores, como a reorganização da sociedade pela força, a revolução, etc. Nem todo político é igual e, na verdade, nossos políticos e nossas leis são, simplesmente, a representação do que é a sociedade brasileira, nem mais nem menos. Já para os radicais da esquerda e da direita, a democracia é realmente um obstáculo. Para a direita radical porque, na democracia, não se pode simplesmente usar a força e a violência como eles gostariam, de forma a restaurar a “ordem”. E para a esquerda radical, porque a democracia em que vivemos é a democracia burguesa, na qual o limite de transformação está fixado desde o início, ou seja, a manutenção do sistema capitalista.
Esses limites são verdadeiros, mas isso não torna a arena política algo a ser abandonado. Em primeiro lugar, a democracia e o Estado de direito, mesmo com seus limites e contradições, é um sistema muito melhor do que uma ditadura, qualquer uma. E, em segundo, porque, dentro da política, há possibilidades de ação e de mudança.
Claro que isso deve ser visto com cuidado. O Papa Francisco é uma figura muito mais simpática e aparentemente sensível aos valores cristãos do que outros. Mas não se pode esperar um papa ateu, pró-aborto e homossexual, pois isso seria renegar o que é a Igreja. Do mesmo modo, Obama foi um presidente menos agressivo e mais progressista do que os Bush, mas não se pode esperar um presidente dos EUA pacifista ou comunista, pois isso seria a negação do que é ser presidente dos EUA. Mas, dentro de limites razoáveis, as escolhas existem e devem ser valorizadas.
Os exemplos acima me indicam isso. No governo FHC, a Capes esteve perto de ser fechada, pois, afinal, quem precisava de uma agência de estímulo a pós-graduação e de supervisão dessa se os “mercados” fariam isso melhor? Foi nessa época, aliás, que o Paulo Renato estimulou e aprovou o imenso crescimento da rede particular e quase faliu as Universidades federais. O governo do PT foi, nesse ponto, muito mais esclarecido e o resultado está ai. Aliás, tantos “coxinhas” que se dizem liberais, mas adoram a ajuda estatal em forma de bolsas de pós-graduação, deviam ser gratos ao Lula, pois, se a Capes não tivesse sido resgatada, eles teriam que pagar para estudar e nem bolsa teriam. Uma mudança política causou uma positiva para a Academia e, para os que acreditam na educação e na pesquisa como forma de criar um país mais justo e melhorar a produtividade, para o Brasil.
No caso dos impostos, a matéria é o sinal do que deve ser feito e ainda não o foi. Ao ver os dados, já posso imaginar a direita gritando que tudo é culpa da corrupção e que o PT está roubando tudo. Isso não corresponde à realidade. O sistema político brasileiro é muito corrupto e isso não é privilégio de nenhum partido, ainda que eu considere que, no quesito corrupção, o PT (apesar de ter as suas culpas e culpados, a serem punidos como quaisquer outros) é um amador. A corrupção, contudo, existe e é ela, em associação a uma incompetência generalizada, estrutural, que impede que os resultados apareçam. Não espanta que precisemos investir tantos recursos para resultados pífios em qualquer área.
Mas a canalização dos recursos também é de importância. Os impostos brasileiros são altos e são, na sua maioria, verdadeiras máquinas de transferir renda para a parte alta da pirâmide social. Os ricos, proporcionalmente, pagam pouco e recebem muito em juros, ajudas, contratos vantajosos e outros mecanismos. A classe média paga muito e recebe, também, muito, especialmente em educação superior gratuita, empregos estatais, etc. Já os pobres pagam muito e recebem um quase nada. Eis porque os retornos para a população parecem tão pequenos. E são. Só quando o Estado for socializado é que isso vai mudar. Dizer isso não significa ser contra medidas liberais que poderiam ser excelentes “lubrificantes” para a máquina pública e nem afirmar que o Estado deva controlar tudo, numa perspectiva comunista. Minha afirmação é mais simples: o sistema de impostos é uma das chaves da eterna desigualdade brasileira. Nem o PT nem ninguém atacou realmente esse problema e até entendo (se uma mudança minúscula como bolsa família ou a dos médicos cubanos já faz a classe média – o cão de guarda do sistema – pular, que dizer de mudanças estruturais?), mas lamento.
De qualquer modo, os limites da política são evidentes, assim como a sua importância como forma de mudar o mundo. Ninguém precisa militar politicamente para participar da política, mas ignorá-la ou vê-la apenas como um jogo de “tudo ou nada” é algo realmente a se lamentar.