João Fabio Bertonha

fabiobertonha@gmail.com

Haddad e a cracolândia, parte 2.

O meu texto sobre o Haddad e a cracolândia gerou alguns debates interessantes na internet e achei por bem responder a alguns dos argumentos apresentados nesse mesmo espaço, até para que mais pessoas possam ter acesso a eles. Dessa forma, farei um resumo do argumento apresentado e logo depois o meu comentário:

1)      A questão das drogas é mais complicada do que parece e não haveria como combater o problema sem, também, a culpabilização do viciado. Não haveria como prendê-los, pois eles não se curariam na cadeia e só dariam mais gastos aos que pagam impostos. Dar-lhes emprego poderia ser interessante, mas seria necessário verificar se é legal e se realmente funcionaria, já que os casos de recaída são constantes.

Que a questão é complicada, não há dúvida e qualquer resposta é cheia de desdobramentos problemáticos. O ideal é que ninguém usasse drogas, mas desde que o primeiro hominídeo viu que certas ervas e plantas dão prazer, não há mais volta. Reprimir a ferro e fogo, batendo e matando a todos seria uma solução horrível e nem resolveria o problema, pois novos viciados apareceriam e, tendo procura, haveria quem ofertasse o produto. Essa é uma lei do capitalismo, talvez a mais básica de todas. Além disso, depois de tantos anos de repressão sem diminuir de fato o problema, está na hora de pensar em alternativas.

Sobre recaídas e legalidade. Claro que as recaídas serão continuas, ainda mais se tratando de crack e qualquer gestor público sabe disso e tem que lidar com a questão. A legalidade é o de menos, pois se altere a lei caso seja preciso. A questão é tentar dar uma chance para que alguns saiam da situação. Todos sairão? Não, mas vale a pena tentar essa opção ao invés de descer a “borracha”, como tantos gostam de dizer.

Isso leva à questão da culpabilização do drogado e do traficante. Como escrevi, antes, não compartilho da ideia de que os traficantes são uma espécie de Robin Hood, pré-revolucionários ou algo assim. Aliás, traficantes de drogas são, acima de tudo, bons empresários capitalistas querendo vender um produto no mercado, atendendo e criando uma demanda, e competindo pela clientela. Mas, como eles agem num mercado não protegido pela lei e pelo Estado, já que é ilegal, eles disputam e cobram os devedores da forma mais direta e brutal possível. Imaginar que esses caras vão ser revolucionários, inimigos do sistema ou algo assim é sem sentido.

Quando ao drogado, é uma opção individual e a pessoa tem que arcar com sua decisão, claro. Tanto que a legalização tornaria tudo mais fácil. Se eu quero usar cocaína, por exemplo, e isso não atrapalha meu trabalho e eu tenho como pagar, sendo o único prejudicado eu mesmo, qual o problema?  Minha responsabilidade e pronto. Acho que o foi o Milton Friedman mesmo que disse algo assim, sendo favorável à legalização.

Mas se eu roubo para sustentar o vício, se bebo e dirijo, matando pessoas (no caso do álcool) ou se meu vício atrapalha outros, a questão passa a ser da coletividade e do Estado, que tem que agir de alguma maneira, seja reprimindo, seja tentando ajudar o cara a sair daquilo. A pessoa tem que ser responsabilizada, mas especialmente pelos atos que ela cometer derivados do uso da droga e, quando extrapola a esfera privada, se torna um problema da sociedade.

 

2)      Como aceitar controle estatal da produção e consumo de drogas se o Estado é ineficiente, corrupto, etc.

Minha defesa do Estado eficiente continua como sempre e a ineficiência do Estado seria um problema realmente. Agora, convenhamos, dá para dizer que os serviços privados são bons no Brasil? Quem usa a maioria dos serviços privados vê que não é assim e que nosso problema de ineficiência crônica vai além de privado/público, ainda que o Estado tenha realmente problemas específicos e graves.

No entanto, assim como não faz sentido dar o controle, digamos, das agências de preservação ambiental a fazendeiros, não seria razoável dar aos empresários do ramo (no caso, os traficantes) o controle desse mercado, pois, como visto, os danos sociais são potencialmente grandes demais. Eles iriam querer liberar todas as drogas possíveis, para maximizar seu lucro, e isso seria complicado. Eu creio que eles poderiam cuidar da distribuição e venda, mas caberia ao coletivo, ao Estado, estabelecer padrões e inclusive impedir drogas cujo impacto é excessivamente danoso.  Crack talvez fosse uma delas, pois, realmente, é a droga da morte.

3)      Sobre o Haddad e o IPTU, o argumento é que não se faz justiça social penalizando os ricos, que o bloqueio da lei municipal na Justiça foi legal e técnico e que, em alguns casos, o aumento do IPTU de uma casa de classe média seria de 150%. Eu, como petista, estaria defendendo um justicialismo social, que culpa o rico pelo sucesso e quer penaliza-lo.

Em primeiro lugar, não sou petista no sentido de aplaudir tudo o que o PT faz, pelo contrário. Sou de esquerda, mas posso e critico o PT no que for necessário. Oposições como as da Veja, por exemplo, me enojam não pela crítica em si, mas porque é visceral. TUDO o que o PT fizer está errado, não importa o que.

Sobre o IPTU, novamente o argumento legalista. Pode ser verdadeiro, pode haver uma tecnicidade envolvida. Mas eu acreditar na imparcialidade da Justiça, no seu estrito senso de cumprimento das normas, é pedir demais, ainda mais quando sabemos que as leis são escritas com todo o cuidado para gerar interpretações dúbias. Por que quem faz Direito deve ter um bom português? Para pegar as vírgulas ou palavras e interpretar do jeito que quer.

 

Penalizar os ricos?  Não me parece que eles seriam tão penalizados pelo aumento do IPTU. As propriedades, nessa bolha em que estamos, valorizaram muito e uma pessoa que reclama que seu IPTU subiu 200% é a mesma que venderá seu imóvel por um valor 200% maior. Não aprovo a Prefeitura de Maringá, mas eles fizeram algo parecido mesmo aqui e, a princípio, isso é correto, sendo o problema para onde irá esse dinheiro extra sendo a cidade dominada pela famiglia. O Haddad ainda teve a decência de diminuir, no projeto, o imposto dos mais pobres, ao menos.

Depois, trabalha-se sempre com a ideia de que os ricos são uns coitados, que trabalharam demais para conseguir o que tem, que todos invejam o dinheiro deles, etc. Esquece-se que a esmagadora maioria dos ricos e boa parte da classe média só tem seu dinheiro por herança (que vem de séculos, muitas vezes), pela exploração da mão de obra dos pobres e por causa dos impostos que esses caras pagam. Não é a toa que se cobra muito mais ICMS e IR no Brasil (impostos de renda e consumo) do que sobre a propriedade.

Ai vem a questão do assistencialismo. Dar bolsa família de 70 reais ou diminuir o IPTU de um cara na periferia não pode, é sacanagem eleitoreira, etc. Mas dar alguns bilhões de financiamento do BNDES para empresários pode, assim como os filhos da classe média estudarem na Universidade pública é perfeitamente aceitável. Não existe isso de alguns pagam e outros recebem. Pelo contrário, os que mais pagam (proporcionalmente) são os que menos recebem e defender ações para inverter isso não é penalizar os ricos, mas justiça, pura e simples.

Por fim, esse mantra de “deixemos os ricos enriquecerem que ai a riqueza fluirá naturalmente na sociedade” é muito bonito, mas não comprovado pela experiência histórica de nenhum país. No Chile, a situação social só melhorou mesmo quando a esquerda chegou ao poder e agiu contra essa ideia. Na Europa, onde o “assistencialismo” é política geral, está claro que excessos podem e devem ser cortados, mas a ideia de eliminar o “Welfare State” só é compartilhada pelos liberais. Aliás, nos locais onde esse projeto está mais avançado, como na Espanha, os resultados, em termos de desigualdade e disseminação da pobreza, falam por si só.

O único caso que eu conheço que se aproxima do modelo é o americano, onde o banquete dos muito ricos é tamanho que as sobras são muitas, beneficiando muita gente. Mas não é curioso que os EUA, tão ricos, tenham níveis sociais péssimos, em comparação com outros países ricos, como a Alemanha ou a Dinamarca? O mantra é bonito, mas não funciona.

4)      E o Haddad nem teria porque ser perseguido pelo PSDB, já que é tudo em essência a mesma coisa, tudo esquerda.

Direita e esquerda são filosofias políticas cujas bandeiras centrais mudam. Hoje, a disputa é entre Estado/mercado, aceitando-se que o capitalismo não vai ser derrubado em nosso tempo de vida. Radicais de esquerda e de direita pensam outras coisas, mas o centro do debate é esse. Nesse sentido, o PSDB, que começou na centro-esquerda, caminhou para o centro-direita, tanto que o governo FHC, ainda que não tão liberal como o do Chile do Pinochet, por exemplo, já estava nesse esquema. O PT caminhou para o centro, virando uma social democracia, mas sem sair do campo da esquerda. Já o PSDB mudou de esfera sim. A prova maior é simples. Quem se considera de direita, supondo que não vai anular o voto, votará em quem na próxima eleição? Dilma ou Aécio?

 

O comentário ficou longo, mas acho que o debate vale a pena.

 

 

 

 

Um comentário em “Haddad e a cracolândia, parte 2.

  1. Marta bellini
    janeiro 26, 2014

    Muito bom seu texto. concordo com seus argumentos.

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Publicado em janeiro 26, 2014 por .